segunda-feira, 11 de julho de 2016

UM CABRA EXPERIENTE NO ASSUNTO

Há hoje o consenso de que o mundo, ou melhor, a vida não seria possível sem a rapidez com que se alastra a informação. A rede mundial de computadores e as diversas mídias disponíveis para acessá-la seriam, doravante, condição sine qua non para a existência de qualquer ser humano. Sim, pelo menos o ser humano que pretenda ter uma vida normal. A vida fora desse novo ambiente seria uma vida à margem ou, sendo bem direto, uma vida marginal.
Com efeito, hoje em dia a vida de quem quer que seja não pertence a seu dono e o sujeito que ouse ter a sua vida somente para si será, para todos os efeitos, um marginal, um ser execrável, portador de qualquer dessas modernas patologias mentais recentemente descritas em espessos tratados psiquiátricos. O indivíduo, aos dias de hoje, é obrigado a ter um comportamento real condizente e coerente ao seu comportamento virtual, sob pena de a mulher lhe pedir o divórcio, ou os amigos passarem a desconfiar de sua credibilidade, ou o gerente de seu banco lhe taxar com maiores juros que o restante dos clientes. E não somente isso. Também o comportamento virtual há de agradar ou desagradar a todos indistintamente, sob pena de o acusarem de discriminação. O governo, se pudesse, tomar-lhe-ia tudo o que tem e mais um pouco, já que está a criar cada vez mais mecanismos que lhe permitam tomar conhecimento de tudo o que o cidadão faz com seu pobre e suado dinheirinho.
Como efeito colateral “menor” da ampla divulgação ou disponibilidade de acesso às informações sobre todos, empresas e bancos se sentem à vontade para divulgar seus produtos através de mensagens por correio eletrônico ou mesmo por contato telefônico direto. A informação dá dez voltas ao mundo antes que termine um piscar de olhos e, se passar pelo individuo sem que ele a capte, sentir-se-á excluído do mundo, com a nítida sensação de ter perdido algo de importância capital. E assim é, hoje, a vida de um ser humano minimamente normal. A nova ética se impõe; a velha fenece como a flor com que se presenteia alguém que se ama.
O hoje é imperativo em seus novos hábitos, em seus novos compromissos, em suas novas obrigações. Não importa o que se sente, mas é imperioso que se o demonstre publicamente mesmo que não haja sentimento algum... Antigamente, para se dizer vivo bastava ir atrás do trio elétrico. Hoje, para estar vivo é preciso correr atrás da cauda do foguete da informação, seja ela boa ou péssima, construtiva ou inútil, eficaz ou insensata. Tanto que não importa o que esteja fazendo, atenda o telefone imediatamente e responda incontinenti às mensagens que chegam pelo telefone portátil.
Foi assim que, há cerca de uma semana, me bate o telefone à hora em que atendia os doentes no ambulatório. Era um número desconhecido. (Atreva-se a não atender a um conhecido e aguente as consequências.) O sujeito queria me oferecer algo, mas não decifrei exatamente o que seria devido à má qualidade da chamada. Despedi-me explicando que naquele momento não poderia falar, e desliguei.
Hoje estou ali no almoço, pensando na vida, degustando o alimento. O momento do alimento é momento ímpar, como sabem. O sujeito que come há de desejar toda a paz existente no mundo para si e para si somente. Eis que, súbito, me toca o telefone portátil. Venho atender movido por essas prementes forças da modernidade. Olho o display do aparelho e não reconheço o número que me chama. Atendo. Era o sujeito da semana passada. Identificou-se impecavelmente. Mas, o que queria ele?
Ora, queria me participar que havia, reservado para mim em sua factory, cinquenta mil reais de crédito pré-aprovado. Um empréstimo, dinheiro vivo e fácil, tudo porque sou servidor público municipal. Ou seja, a prefeitura municipal de Fortaleza autoriza a que a tal factory me empreste dinheiro e a ela garante o pagamento das parcelas abatendo-as na fonte, a cada mês de vencimento do salário. Ora, o país está a assistir à prisão de políticos de Brasília por causa de negócios escusos dessa natureza. O governo federal roubou ou foi omisso ao permitir o assalto a servidores públicos aposentados aos quais se ofereceram esses tais empréstimos. A prefeitura de Fortaleza está a seguir os passos de Brasília? A mim não importa – fui direto ao negar a oferta. O homem queria deixar-me seu telefone caso eu mudasse de ideia. Neguei-me enfaticamente a anotar seu número. Pensei tê-lo ouvido rir-se baixinho como se espantado estivesse por eu me negar a tomar o dinheiro. Terminei a conversa seco e direto:
–“... e não volte a me ligar.”
Prometi a mim mesmo mais tarde bater o telefone ao meu amigo Pedro Olímpio para saber dele como se faz para viver sem rede social e sem telefone portátil. Eu sei exatamente como é. Preciso apenas da confirmação de um cabra experiente no assunto.

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