quinta-feira, 21 de julho de 2016

MESQUITA E O RONCO NO CRUZEIRO

Contou-me hoje o amado amigo Gaudêncio o seguinte – na viagem recente que fizeram à Europa, o que o Mesquita mais fez foi dormir. Ora, não sei se contei aqui que foram à Europa recentemente o Gaudêncio, o Mesquita, o Joserme, as esposas e os filhos. Foram à Dinamarca e de lá saíram em cruzeiro pelo Mar Báltico. Foram bater em São Petersburgo.
O detalhe importante e que deve ser realçado é que há uma diferença de horário impactante: lá são 5 ou 6 horas a mais. Assim, à medida que o navio se deslocava para o leste, mais dormia o Mesquita. Dormia tanto que já nem comia, nem bebia, nem ia ao banheiro. Conclui-se que a diferença no fuso horário estragou a viagem do amigo. As poucas vezes em que esteve acordado foi quando estavam em terra firme. Aproveitava e fotografava monumentos históricos e enviava as fotos para nós que aqui ficamos. A viagem terminou em Amsterdam e foi justamente lá que o homem esteve maiores períodos em alerta.
Vejam que, nas fotos, não seria possível dizer que o nosso Mesquita estava a enfrentar esse jet lag incômodo. O sorriso do homem ia de orelha a orelha e até se permitiu filmar andando de bicicleta. É bem verdade que isso foi ao início do périplo, de modo que, ao que parece, a coisa evoluiu à medida que passava a excitação do voo. Após quase 15 dias de viagem, o homem se deixou fotografar numa loja amsterdamesa onde se vendem derivados da Cannabis sativa. E mais – segurava alguns de seus produtos e escrevia para nós, na rede social: “vou levar umas mudinhas para plantar”. Pelo sim, pelo não, alguém mais lúcido lembrou-se de lhe avisar que seria preso no aeroporto se assim o fizesse. Usava então um par de óculos escuros, desses que fazem seu usuário se passar por um gangster crudelíssimo, daqueles que trucidam criancinhas indefesas. Ou isso ou o Mesquita estaria já sob o efeito do tetrahidrocanabinol, que Deus o livre. Enfim, lá, em Amsterdam, última parada antes do retorno, o amigo parecia todo animado. Mas já era tarde demais para tanto ânimo e em seguida se viu novamente no avião de volta para casa.
Fiquei a matutar nas razões pelas quais o jet lag atingiu o Mesquita, e somente o Mesquita, ninguém mais além do Mesquita. Sabem aqueles que o conhecem que o homem dorme antes das galinhas. Sim, o Mesquita, salvo exceções incomuns, chega à casa por volta de seis ou sete da noite, come 2 quilos de janta, deita-se não sem antes desligar o telefone portátil, e dali a um minuto está a dormir mais do que gato de hotel de beira de estrada. Há, nessa queda vertiginosa ao sono dos justos, um outro detalhe digno de nota e bastante oportuno de ser lembrado – o Mesquita ronca o ronco dos asfixiados. Outro dia relatei aqui a frustração de meu amigo Meninotti Motta causada pelo estrondoso ronco de outro amigo, o Madame Serjão. (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2016/07/o-ronco-que-assassinou-libido_13.html) Pois bem. O ronco de Madame Serjão é para mim ainda uma incógnita, ao passo que o do Mesquita já escurei pessoalmente. Dele posso falar.
Disse o Meninotti, em dramático relato, que o ronco de Madame é semelhante ao pródromo de um tsunami. As aves que dormiam às árvores da pousada imediatamente alçaram voo tal como se a onda gigante estivesse próxima, e os ventos balouçaram a copa das plantas do jardim chegando quase a arrancar-lhes do solo pela raiz.
Posso então garantir – o ronco do Mesquita é pior, bem pior. O do Mesquita é o som do tsunami misturado e adicionado ao do terremoto que a gerou a 2 mil quilômetros de distância e a 6 mil metros de profundidade. Por aí se vê quão profundamente dorme o Mesquita – o sujeito que ronca um ronco desses há de dormir nas profundezas da inconsciência, a um passo da inconsciência da morte. Caso contrário, seria despertado pelos próprios ensurdecedores estertores. Suponho, portanto, que era assim que dormia o Mesquita em sua cabine no navio que singrava as águas bálticas do mar gelado.
E, a propósito, o frio havia de ser um detalhe a mais para essa preguiça que desafiava a claridade pálida e fosca da luz dos confins nórdicos do planeta. Se aqui o homem dorme às 8 da noite, é como se lá viesse o sono à uma ou duas da tarde. Dentro de sua espartana disciplina, ele acorda às 5 da manhã para ir surfar, um hábito de décadas, desde a adolescência. Ou seja, lá seriam 11 da manhã quando o sono do homem acabava.
Não se sabe até agora se o Mesquita é de enjoar a bordo de barcos, mas, ao que tudo indica, o enorme transatlântico mais lhe parecia uma rede feita no Ceará, o que só contribuía para lhe aprofundar ainda mais o sono e, consequentemente, lhe levar a produzir os sons mais inimagináveis em seus grunhidos cacofônicos. A conclusão a que cheguei foi a de que o Mesquita não tem mais idade para viagens a lugares muito a leste, sob pena de trocar o dia pela noite. Estou a ponto de conversar com o amigo Gaudêncio, nosso competentíssimo agente de viagens, a fim de tentar convencê-lo a que não permita ao Mesquita viajar para distâncias além do meridiano 20° leste. A fisiologia do sono de nosso amigo anda cada vez mais frágil e mais refratária a adaptar-se ao tempo, ao fuso. Suas viagens nessas circunstâncias estarão fadadas à troca do dia pela noite e, quiçá, à percepção, por parte de seu organismo, de que a vida é uma noite eterna, levando-o a dormir e perder os maiores encantos e atrações.
Ainda aguardo de meu amigo Gaudêncio o relato detalhado da hipersonia do Mesquita. É possível até que o homem tenha ficado famoso entre os passageiros do cruzeiro. Afinal, uma roncaria como a dele é audível num raio de cem metros. Não sei como dona Rejane aguenta!

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