terça-feira, 28 de junho de 2016

CABEÇAS DE VENTO

         Diz o meu amigo Glauco Kleming que o sujeito pode ser o que quiser, mas não pode, sob hipótese alguma, ser angustiado. Segundo ele, tudo que angustia o indivíduo deve ser sumariamente extirpado de sua vida.
As considerações do Kleming me lembraram do Woody Allen em seu filme “O Homem Irracional”, de 2015. Pela boca do personagem central, um professor de Filosofia em crise existencial, fuzilou: –“A Filosofia não serve pra nada”!,  e emendou enfatizando que, no mundo real, no dia-a-dia de todos, as lucubrações filosóficas são de uma inutilidade abissal.
–“Há, entre o mundo real e o mundo teórico das merdas da Filosofia, diferenças inconciliáveis”!, brada Abe, o professor. E completa:
–“Filosofia é masturbação mental”!
Devo confessar que um outro episódio me levou à lembrança da película do Woody Allen. Foi o seguinte.
Estava ali na fila do caixa, no supermercado, e involuntariamente ouvia a conversa desses dois indivíduos. (Se não sabem, fila de supermercado é um excelente lugar para se ouvir conversa alheia.) Adultos jovens, um deles bebia uma cerveja pelo gargalo e o outro tinha um desses cabelos à moda rastafári. Conversavam sobre o curso de Filosofia, acho que de uma universidade pública. Estavam um para cursar o mestrado e o outro o doutorado, pelo que entendi. (Ouvir conversas em fila de supermercado requer uma audição perfeita, tanto mais quanto maior for o barulho do entorno.) Em breve o estado do Ceará terá, à sua inteira disposição, dois professores de Filosofia de alto gabarito empregados na universidade pública. Bem se vê que é possível, sim, calcular o grau em que se masturbam os cérebros em nossas universidades.
Usavam e abusavam da gíria adolescente:
–Tá ligado? Tá ligado?, dizia um.
–Tô ligado! Tô ligado!, respondia o outro.
E concordavam – o impeachment da presidente Rousseff representará um retrocesso para a “academia”. (Presumi que a “academia” é a faculdade de Filosofia e, por extensão, a universidade pública.) Pois justo na hora que o governante olhava com certo carinho para ela, a “academia”, dizia um deles, cai o governo, com o que o outro concordou incontinenti.
                                          ***
É bem sabido que, neste país, o eleitor se utiliza de critérios peculiares para escolher em qual candidato vai votar. (Digo “peculiar” porque em países que já atingiram o pleno desenvolvimento o eleitor usa critérios bem diversos.) Um dos critérios tradicionalmente conhecidos e usados por nossos eleitores é o de averiguar se o candidato ou aquele que o apadrinha já realizou obras públicas. E o que é uma “obra pública”? Resposta – uma obra pública é um hospital, uma escola, uma ponte, uma estrada, uma praça, uma linha do metrô, um estádio de futebol, e por aí vai. Valem também as restaurações de patrimônios públicos, os mesmos citados anteriormente e que estejam em mau estado de conservação. Por exemplo, já estive presente na cerimônia de reinauguração da praça da igreja matriz de uma cidade do interior. Teve discursos e shows de bandas de forró. O povo, o eleitor, compareceu em peso. Era uma alegria só.
O outro critério, usado principalmente em municípios do interior, é a compra pura e simples do voto, seja através de dinheiro vivo, em espécie, seja através de “doações” de “facilidades” do interesse do eleitor por parte do candidato como, por exemplo, sacas de cimento, baldes de tinta, tijolos, madeira, arame farpado... O eleitor pode, assim, com a “ajuda” de seu candidato, construir o muro que tanto deseja, erguer o cercado para os porcos de seu minúsculo rebanho, pintar a garagem onde guarda seu carro velho...
Vejam que, para os mestrandos e doutorandos de Filosofia de nossa universidade pública e os nossos eleitores, os mesmos que elegem nossos políticos, os critérios utilizados para eleger um governante são muito parecidos. Posso presumir que dentro do seio da universidade pública brasileira, em geral, os critérios sejam os mesmos, com uma diferença – a ideologia esquerdista impera na universidade pública brasileira desde sempre. Esse detalhe é apenas um detalhe. Nada mais. E por ser um detalhe, constitui-se numa outra história, de modo que o deixaremos para lá por enquanto. Importa agora apontar os tais critérios que, veremos, acabará sendo um só.
Os eleitores, como se bem pode ver, estão interessados em satisfazer seus próprios interesses. Querem vantagens pessoais, qualquer coisa que os ajude em seus projetos imediatos e individuais ou que tragam benefícios imediatos para suas famílias. Não estão interessados que a sociedade avance como um todo. Ainda que alguém argumente que o povo quer obras porque as obras facilitam sua vida, a história das obras públicas brasileiras tem demonstrado qual o seu destino final – o abandono e o bolso dos corruptos. Sim, as obras públicas onde o governo gasta milhões são apenas uma outra forma sutil de se comprar e vender votos. Os hospitais definham em falta de recursos humanos e financeiros; as estradas se derretem por serem construídas com sais solúveis em água de chuva; as escolas ensinam o ensino de quinta categoria, levando às costas professores mal pagos e muitas vezes pouco qualificados. Assim, de eleição em eleição vão-se os votos e as oportunidades de tudo mudar, donde se conclui que nada há de mudar enquanto não se mudarem as cabeças e as mentalidades.
Na universidade, lugar onde as ideias deveriam ferver ao sabor de novos ventos, ferve, ao invés, a jurássica caldeira ideológica do esquerdismo, denotando a completa e persistente ignorância de professores letrados sobre sua natureza e seus resultados ao redor do mundo e pela história afora. Para os dois estudantes na fila do caixa, tais evidências simplesmente não existem, os resultados da esquerda são estórias da carochinha, e o que importa é que venham mais computadores, mais material didático e melhores salários para os professores.
Conclui-se que não há diferença entre estes e os eleitores que querem tijolos e arame farpado. Uns leem, mas não aprendem; os outros, nem uma coisa nem outra. Saí da fila do supermercado com a certeza inamovível que o Woody Allen tem razão – a Filosofia serve apenas a encher de vento a cabeça de seus pensadores. Nada mais, nada menos.

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