terça-feira, 31 de julho de 2012

Choperia


Outro dia, já faz tempo, escrevi que não seria possível existir uma alegre e linda música(http://fecavalcanti.facilblog.com/Primeiro-blog-b1/A-inexistente-alegre-e-linda-musica-b1-p191.htm). E devo dizer, jurando por tudo o que seja mais sagrado, que não quis plagiar ao que já diziam os grandes Vinícius de Moraes e Baden Powell em seu Samba da Bênção: - “pra se fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”, etc. etc. Eles foram específicos; referiram-se ao samba. Eu generalizei ainda mais a coisa; decretei: - música alegre não é arte.
            Ontem, digo, sexta-feira voltei à carga. Queria desesperadamente um sofrimento a fim de que me viesse inspiração para escrever um texto poético, repleto de lirismo e romantismo. Uma tristeza me era necessária naquele momento. E eis que, aí sim, ontem a tarde quase chorava sobre mim. Seus raios de luz eram como um olhar perdido de desespero e dor, a derramar-se em espessas e molhadas lágrimas a contaminar o mundo com o mesmo sofrimento do fim do dia. (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2012/07/agonia-da-tarde.html).
            E não gostei. O que poderia ter feito? Poderia ter montado à motocicleta e saído para um passeio; poderia ter descido ao calçadão no mesmo intento; poderia ter ido à caixa-prego. (Alguém sabe onde fica esse tão famoso cafundó?) Mas não. Escolhi o impacto daquela emoção para escrever.
Enganam-se os que pensam que o romantismo se refere unicamente e exclusivamente a um sentimento entre duas pessoas. Num sentido mais amplo e artístico, romantismo se refere um movimento da arte em direção à imaginação e às emoções. Deduz-se, portanto, que nem todo movimento artístico reflete emoção. Vide o classicismo, o realismo, o concretismo e os devaneios como que lisérgicos do surrealismo.
Dirão alguns que estou redondamente enganado, que a música alegre é também arte, e provavelmente estarão cobertos de razão. Confesso que ao fazer tal afirmação, aproximando-me dos dois grandes compositores, fui tendencioso. Expressei minha predileção por uma vertente da arte.
Há uma razão para isso. Vejam novamente o que diz a letra do Samba da Bênção: - “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”. Assim, na música alegre não há beleza e, por extensão, um texto sem lirismo é um texto sem beleza. Eis aí tudo bem explicado. Gosto do que é belo, mas nem sempre – com uma freqüência até maior do que desejaria – escrevo o que é belo.
Por uma dedução lógica, a amiga que gosta quando escrevo, digamos, liricamente, gosta quando escrevo liricamente, e ponto final. Ora, bolas! Cada um gosta do que gosta. E até fui rude com a amada amiga, quando a ela sugeri que somente lesse os românticos. A ela devo um pedido de desculpas por essa insolência.  
Mas, olhem como são as coisas. Outro dia, por coincidência também na última sexta, encontro à choperia, a ex-melhor choperia de Fortaleza, um amigo que concorda comigo – a choperia já não é mais a mesma. E por que concordamos que a choperia é a ex-melhor? Há sintomas, o principal deles a queda em sua freqüência. Outrora bem freqüentada, bem disputada por muita gente que queria desfrutar de sua boa música, de sua boa culinária e drinques diversos e de seu agradável jardim e instalações, hoje se observa uma sensível alteração nesse cenário. Não é coisa de um ou outro dia. Já há vários e vários dias, meses talvez, observa-se a debandada. O amigo e eu acordamos em tudo.
Ele dizia, consternado: -“Sou um homem de balcões! O balcão aqui perdeu o charme!”, referindo-se ao balcão do bar central onde os barmen servem o cliente diretamente. Para ele o balcão desestigmatiza o freguês. Mesmo uma mulher sozinha, sem companhia, adquire uma aura de princesa ao sentar-se ao balcão, diferente do que ocorre quando sozinha à mesa. E lamentava: -“Ontem me sentei ao balcão sozinho... por quase três horas éramos o balcão e eu. Uma coisa de fazer dó, meu chapa...” Quem já viu o balcão da choparia entenderá a angústia do amigo, um fã de carteirinha e, diria até, seu sócio fundador.
Outro sintoma ominoso é a crescente falta de garçons em algumas áreas do bar, denotando talvez uma preocupação dos proprietários com os custos, querendo talvez equilibrá-los a uma decrescente receita. Seja como for, se estivermos completamente errados em nossas lucubrações, o que poderia explicar a situação?
Outro amigo, chegado de carona em final de conversa alheia, arriscou: -“Estamos no Estado do salário mínimo, amigos! Estamos no fim do mês e o fortalezense está de bolsos vazios! Eis aí a explicação”.
Se vier a ocorrer o desfecho (in)esperado, terei motivos de sobra a me entristecer e escrever liricamente sobre a morte de mais um delicioso point desta decadente cidade. O tempo dirá.      

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