quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nus

Andamos nus.
            Como índios tecnologizados, andamos nus, portando nossos aparelhos e conexões mil. Homens e mulheres andam nus entre nós. Nossas vestimentas de hoje nem de perto se comparam às que o Senhor fez a Adão e sua mulher. Jamais existiu a folha de parreira bíblica e, ainda que houvesse existido, ela seria maior, bem maior, que nossas atuais vestimentas.
            Ao conhecer o mal, conheceu também o homem o pudor. Ele, o pudor, já ao início era o resquício do constrangimento de nossa nudez, de nosso corpo, talvez. Do próprio Criador escondeu-se o homem por vergonha de sua nudez. E porque não sabia o que dela fazer, de sua nudez, o Senhor lhe preparou vestimentas de peles.
            Hoje andamos nus – é o que dizem – em decorrência da canícula que não nos dá trégua. Por isso não mais nos preocupamos com o que havemos de vestir, mas nos inquietamos em como vamos exibir nossa nudez. Essa nudez de hoje deve ser uma nudez sem culotes, sem defeitos, repleta de músculos e de gorduras bem postas. Ou isso, ou nossa vergonha primeva vem nos assombrar em pesadelos e rejeições contumazes e cômicas.
            Perdemos aquele pudor inicial, que atestava de nossa recém perdida inocência, e restou-nos o pudor da nudez imperfeita, da nudez aestética, da nudez fora das medidas e das proporções corretas. Tal pudor, nosso mais recente pudor, veio a ser a cristalização de nosso conchavo com a concupiscência, com nossa diária luxúria mental, com nossa Sodoma interior.
            E assim nossa nudez tornou-se a nudez de toda uma raça de calomaníacos intratáveis e intragáveis. Que seria, doravante, daqueles cuja nudez se distancia da de Adônis e da de Afrodite? Andarão sob as vestes que tentam lhes esconder os excessos e irregularidades, ou se lançarão aos recursos modernos e artificiais da esculturação do corpo. Por isso às vezes, não raro, tão cedo perecem em suas trombofilias até então ocultas, na inocência dos males que seus genes carregam ou – pior! – nas imperícias que pululam por mãos hábeis que violam as perfeições de seus santuários.
            Andamos nus nós que vivemos sob a tirania da canícula perene que rouba-nos as estações. Outros, os que vivem em temperados climas, vestem-se com roupas e roupas e roupas. Não se torturam, não se angustiam, não se medem por medidas inúteis. Deles, portanto, diferimos.
            Nossa nudez imperfeita acabou por destruir ou mitigar o amor que sentiam por nós, vigoréticos e supérfluos, como se a nudez perfeita que tanto buscamos, em sua brutal e inexplicavelmente imperceptível efemeridade, pudesse servir de lastro ou alicerce para o mais nobre dos sentimentos.
            Seria essa busca interminável da nudez perfeita uma outra marca entre nós e os de clima ameno? Ou seria apenas mais um sinal ou sintoma de nossa herança colonial ancorada em vícios e desvirtudes seculares? Há ainda a possibilidade de que seja um efeito colateral menor de nossa pouca afeição ao que realmente importa? Ou nada se pode ajuntar entre uma e outra?
            O ser humano é igual em todo lugar. Nisso não há a menor dúvida. 

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